As manifestações embora possam ocorrer em contextos variados, grosso modo, refletem o descontentamento da população relativamente a questões como a má governação, a corrupção, a desigualdade social, a falta de oportunidades de emprego, o aumento do custo de vida e a insatisfação com políticas públicas que na sua maioria denotam-se, totalmente, ineficazes.
Contexto das Manifestações em Moçambique
- Desigualdade social e económica: Moçambique enfrenta uma grande disparidade entre a população abastada e a necessitada. Apesar de ser um país com muitos recursos naturais, muitos cidadãos continuam a viver em condições de extrema pobreza, sem acesso a água e a bens considerados muito básicos. A falta de acesso a serviços básicos como saúde, educação e infraestrutura tem gerado insatisfação, levando a população a se manifestar, ou melhor, à revolta popular.
- Corrupção: A corrupção é um problema estrutural em Moçambique, afetando tanto o sector público quanto o privado, tendo se verificado vários casos envolvendo membros do governo e demais dirigentes, o que tem gerado indignação. A falta de transparência e de responsabilização contribui, igualmente, para a desconfiança e o descrédito nas instituições públicas.
- Instabilidade política: Moçambique tem enfrentado desafios no que diz respeito à estabilidade política, com tensões entre o governo e a oposição, conflitos armados como é o caso do conflito com os insurgentes em curso na região norte, desde meados de 2016. A falta de diálogo e a frequente marginalização de grupos da oposição, no cenário político, levam à organização de manifestações como forma de expressar descontentamento com a situação política, conforme foi possível verificar de Outubro de 2024 a Janeiro do corrente ano.
- Desemprego e falta de oportunidades: A taxa de desemprego, especialmente entre os jovens, é elevada em Moçambique. Este factor constitui um móbil para que muitos jovens manifestem-se contra as políticas do governo que, no seu entender, não criam condições para a criação significativa de empregos ou a melhoria das condições de vida.
É importante referir que Moçambique detém uma das maiores populações jovens do continente africano, com uma grande proporção de pessoas com idades entre 15 e 24 anos, o que significa que aproximadamente 60% (sessenta por cento) da população do país é jovem, o que por um lado, tanto representa oportunidade, como por outro, um desafio, dependendo das políticas e investimentos no sector da educação, saúde e emprego para esta faixa etária. O elevado número de jovens representa, igualmente, uma pressão no mercado de trabalho, na educação e nas condições sociais do país.
Efeitos das Manifestações
- Mobilização social e aumento da consciencialização: As manifestações, muitas vezes, reflectem o incremento do interesse na vida política e visam assegurar o respeito pelos direitos, deveres e liberdades fundamentais. As manifestações podem resultar na ampliação do debate público sobre questões como corrupção, direitos humanos e democracia. Além disso, as manifestações podem fortalecer a sociedade civil e encorajar uma maior participação política.
- Repressão e violação dos direitos humanos: Em algumas situações, as manifestações em Moçambique têm sido recebidas com repressão por parte das forças policiais. Houve casos de uso excessivo da força, prisões arbitrárias e violação grosseira dos direitos dos manifestantes por parte das forças policiais e de unidades intervenção rápida (”UIR”). Esse tipo de repressão, sempre que ocorra de forma desproporcional, tem o condão de aumentar exponencialmente a tensão social e a desconfiança em relação ao governo.
- Mudanças políticas e reformas: As manifestações podem pressionar o governo a adoptar reformas, seja na área económica, social ou política. Embora os efeitos não sejam imediatos, em alguns casos, o governo tem sido forçado a rever algumas políticas e práticas de governação e implementá-las, por forma a responder ao clamor social e à revolta popular, consequentemente, evitando maior instabilidade.
- Divisão social: Em certos casos, as manifestações agudizam as divisões sociais e políticas, com a polarização, cada vez mais evidente, da sociedade moçambicana. Grupos favoráveis ao governo, geralmente, opõem-se fortemente às manifestações, o que tem gerado tensões internas no país.
- Impacto económico: As manifestações têm provocado efeitos adversos na economia, especialmente quando ocorrem em grande escala. O comércio tem sofrido constantes interrupções, o turismo registou um decréscimo acentuado, o que prejudicou em grande medida a imagem do país no exterior. Não obstante, as manifestações podem, igualmente, conduzir ou forçar mudanças que, a longo prazo, promovam maior estabilidade económica e, acima de tudo, a tão aclamada, e constitucionalmente prevista, justiça social, tem tem vindo a ser adiada.
Impacto das manifestações e pilhagens no ambiente de investimento em Moçambique
1. Desconfiança dos Investidores: A instabilidade social e a violência associada à manifestações podem levar a diminuição da confiança dos investidores, resultando na ausência de novos investimentos ou na redução de renovação e/ou expansão dos projectos já em curso.
2. Avaliação de Risco: Os investidores estrangeiros geralmente reavaliam os riscos associados a investimentos em áreas afetadas por agitação social, o que, consequentemente, resulta na aplicação de taxas de juros mais altas e menor disponibilidade de capital para investir no país.
3. Impacto na Economia Local: Pilhagens e manifestações causam danos significativos nas infraestruturas e nas operações comerciais, afetando a produção e a distribuição de bens e serviços, o que por sua vez, resulta em vendas perdidas e desaceleração económica.
4. Custo de Operação: Aumento do custo de segurança, seguros e outros custos associados à proteção de activos e operações, o que compromete a rentabilidade e desencoraja novos investimentos.
5. Impacto a Longo Prazo: Se as manifestações persistirem, podem resultar em uma alteração estrutural na economia, afectando sectores-chave e conduzindo à paralisação do sector da indústria e demais áreas de suporte a este sector.
6. Medidas Governamentais: Iniciativas do governo, como reformas legislativas ou criação de novas leis e políticas com vista a restaurar a ordem pública e a confiança da população, podem amenizar alguns dos impactos negativos das manifestações, contudo, a eficácia destas medidas dependerá sempre da situação política e social.
Que protecções a Lei e Regulamento de Investimento Privado assim como os acordos BITs em vigor em Moçambique oferecem em ambiente de conflitos político-sociais?
As manifestações e pilhagens em Moçambique podem ter um impacto negativo significativo sobre o investimento a curto e médio prazo. A instabilidade social e a insegurança podem afastar investidores, aumentar os custos operacionais e reduzir a confiança no ambiente de negócios, danificar a infraestrutura e interromper as atividades econômicas, resultando na desaceleração do crescimento económico e na diminuição do fluxo de capital estrangeiro.
Em relação às proteções que a Lei e o Regulamento de Investimento Privado, bem como, os Acordos de Proteção e Promoção de Investimentos Bilaterais (BITs) oferecem em Moçambique, encontramos previstas várias garantias para os investidores, incluindo:
1. Tratamento Justo e Equitativo
- A Legislação em vigor e os BITs garantem que os investidores estrangeiros recebam tratamento justo e equitativo, o que significa que o governo de Moçambique não pode discriminar ou prejudicar os investimentos estrangeiros de maneira arbitrária, mesmo em tempos de instabilidade política ou social. Esta previsão legal protege os investidores de acções de expropriação sem compensação adequada.
2. Proteção contra Expropriação
- Mesmo em cenários de conflitos ou instabilidade política, a legislação bem como o BIT, geralmente, prevê a proibição de expropriação dos investidores estrangeiros (ou seja, suas propriedades ou investimentos não podem ser confiscados) sem que decorra e resulte de um processo legal adequado e sujeito à compensação justa, proporcional ao valor do investimento.
3. Mecanismos de Solução de Disputas
- Caso o investidor estrangeiro enfrente dificuldades, como mudanças no ambiente regulatório ou acções do governo de Moçambique que afectem negativamente seus investimentos, o BIT estabelece um mecanismo adequado de resolução de disputas (geralmente através de arbitragem internacional). Esta previsão garante uma alternativa à justiça local, que pode ser afectada por instabilidade política ou social.
4. Garantias de Transferência de Fundos
- A legislação de investimento, cambial e os BITs garantem que os investidores possam transferir lucros, dividendos e outras receitas de volta para seus países de origem, mesmo em contextos de instabilidade política. Esta garantia oferece segurança financeira, mesmo em situações de crise interna.
5. Previsibilidade e Estabilidade Regulatória
- Os BITs, em particular, buscam assegurar que os investidores possam operar com previsibilidade e estabilidade nas leis e regulamentos do país signatário do acordo, evitando mudanças repentinas que possam ser prejudiciais ao investimento, especialmente em tempos de conflito.
6. Acesso à Arbitragem Internacional
- Em situações de crise, onde os mecanismos nacionais de resolução de disputas possam ser ineficazes ou parcializados, os BITs, na sua maioria, oferecem aos investidores a possibilidade de resolver disputas por meio de arbitragem internacional. Esta garantia assegura que o investidor tenha acesso a uma solução imparcial, independentemente da instabilidade política ou social no país.
Embora os BITs possam oferecer maior proteção jurídica e financeira para os investidores em momentos de conflitos políticos e sociais assegurando um ambiente mais seguro e atractivo, a eficácia dessa protecção depende sempre da sua implementação e da vontade do governo de respeitar os compromissos internacionais assumidos. Ainda assim, estes acordos proporcionam uma base de segurança importante para minimizar os riscos de expropriação arbitrária, discriminação e alterações regulatórias desfavoráveis, o que é fundamental em contextos de instabilidade política, como é o caso do actual cenário político-social de Moçambique.
Por outro lado, a responsabilização civil do Estado em Moçambique, no contexto das manifestações e pilhagens às infraestruturas dos investidores e demais actores do sector económico, pode ser analisada com base em princípios do direito administrativo e responsabilidade civil do Estado, que resultam das previsões constantes da Constituição da República de Moçambique, da legislação específica, podendo ser destacados os seguintes principais pontos para a responsabilização civil do Estado:
1. Responsabilidade Civil do Estado por Acto Ilícito decorrente de uma acção ou omissão
O Estado pode ser responsabilizado por danos causados aos investidores, caso o acto ilícito envolva violação dos direitos desses indivíduos, como nos casos em que ocorreram pilhagens, depredação de propriedades ou violação de contratos, principalmente, se houver uma relação de causa e efeito entre a acção do Estado ou sua omissão e o dano sofrido pelos investidores.
Em Moçambique, a lei estabelece que o Estado pode ser responsabilizado por danos causados por actos administrativos, conforme igualmente previsto no artigo 58 da Constituição da República, que dispõe sobre a responsabilidade civil do Estado. O Estado pode ser responsabilizado por actos administrativos que resultem em danos aos particulares, desde que esses danos sejam consequência de actos ou omissões ilegais, dolosos ou negligentes das autoridades públicas.
2. Garantias de Proteção ao Investidor
A Constituição e a demais legislação moçambicana asseguram o respeito pelos direitos de proteção à propriedade privada e aos investimentos conforme se depreende dos artigos 4, 6 e 7 da Lei de Investimento Privado em vigor. Assim, caso as manifestações e pilhagens resultem da omissão do Estado em garantir a segurança e a proteção desses direitos, os investidores afectados podem pleitear com vista à reparação pelos danos causados, com base na responsabilização objetiva do
Estado.
3. Omissão do Estado na Garantia da Ordem Pública
O Estado tem a responsabilidade de garantir a ordem pública e a segurança dos cidadãos, incluindo os investidores, por meio de forças policiais, de defesa e segurança adequadas e medidas preventivas em situações de manifestações. Caso se verifique a inoperância ou omissão das autoridades públicas em garantir a ordem e segurança, tal pode resultar na responsabilização do Estado pela falta de actuação ou pela actuação insuficiente, que tenha conduzido ou maximizado as consequências dos actos de pilhagem e violência.
4. Responsabilidade Objetiva
Em alguns casos, o Estado pode ser responsabilizado de forma objetiva, ou seja, sem a exigência de prova da culpa ou dolo, desde que verificado o nexo de causalidade entre a omissão ou falha do Estado e o dano causado. Se as pilhagens ou danos resultarem da falta de medidas adequadas para evitar ou conter os actos de violência, o Estado pode ser considerado responsável, independentemente de qualquer acto doloso ou culposo.
5. Indemnização aos investidores e agentes económicos
A responsabilidade civil do Estado pode resultar na obrigação de indemnizar os investidores pelas perdas e danos causados pelas pilhagens ou danos aos seus bens e propriedades. A compensação pode incluir a restituição do valor económico perdido, mas também pode envolver medidas para restaurar a confiança dos investidores no ambiente de negócios.
6. Limites da Responsabilidade do Estado
Importa referir que a responsabilização civil do Estado por todos os danos causados em manifestações não ocorre automaticamente, em particular quando as mesmas sejam de natureza imprevisível ou quando o Estado tome as necessárias medidas razoáveis para evitar a ocorrência de danos. Contudo, em situações de inoperância ou omissão do poder público, a responsabilização civil pode ser aplicada.
Concluindo, a responsabilização civil do Estado Moçambicano em casos de manifestações e pilhagens aos investidores e demais agentes económicos dependerá, necessariamente, da análise de factores como é o caso da actuação do Estado na manutenção da ordem pública, o nexo de causalidade entre a omissão do Estado e os danos daí resultantes, e a aplicação prática das normas constitucionais e legais que garantem a proteção dos direitos dos investidores no país.
Em suma, as manifestações e pilhagens têm o potencial de impactar profundamente no ambiente de investimento e negócios em Moçambique, especialmente, se não houver acções imediatas e eficazes que contribuam para restaurar a estabilidade e a confiança no poder público.